segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Contos marafados

Terá valido ter vivido

Conheci o ti Jacinto, tinha ele os seus cinquenta e quatro ano, com um aspecto extraordinário e uma força de viver sem igual. Na pequena aldeia era um homem estimado por uns e temído por outros. Essa estima vinha pela sua disponibilidade, em ajudar todos aqueles que necessitassem de uma mão, fossem conhecidos ou não. Dizia ele muitas das vezes: Se um homem não ajuda o seu semelhante, como é que um dia pode esperar ser ajudado, é que esta vida quando chega o tempo de nos cobrar, cobra mesmo, e quem não criou amigos, morre só a um canto.
Era temído por alguns porque os seus noventa e dois quilos e um metro e oitenta e cinco centimetros não permitia, fosse a quem fosse, que tivesse a leviandade de se aproveitar da fraqueza de alguem, e assim, logo que o ti Jacinto aparecia não havia zaragata que continuasse.
Jacinto era um homem que a única vez que tinha saido da terra, foi para participar na guerra civil de Espanha ao lado dos voluntários  contra os franquistas, e essa sua experiência de vida deu-lhe a valentia necessária para que nada o impedisse de fazer aquilo que tinha na sua mente sem ter receios do que podesse vir a acontecer.
Amanhava as suas terras com ajuda dos animais, e era dai que tirava o seu sustento, e levava uma vida sem dificuldades.
Tinha ficado viúvo muito novo com vinte e nove anos, e não mais pensou em casar,  como não teve filhos vivia sozinho e não tinha irmãos. Mas com a sua maneira de estar na vida não lhe faltavam amigos e vizinhos com quem conviver e desabafar as dificuldades que o dia a dia iam trazendo.
Aos cinquenta e oito anos a saúde de Jacinto começa-lhe a fazer as primeiras partidas, o que o deixa bastante abalado, pois pela primeira vez sente que não consegue resolver o problema como estava habituado a fazer quando lhe aparecia alguma contrariedade na vida.
Um temor maligno na próstata leva-o para uma sala de operações e deixa-o dependente de uma série de tratamentos que o desfiguram e o levam a perder as suas forças que outrora tinha. Os tratamentos prolongam-se por nove longos meses que lhe parecem o tempo que tinha vivido até ali.
Jacinto fica incontinente e não mais deixa as fraldas para desespero do seu dia a dia. Sente que a cada momento a sua vida não faz sentido e torna-se impotente para continuar. Pois os seus ossos também começam a queixar-se, e as suas mãos que antes mais pareciam potentes prensas, assemelham-se agora a rolos de lã, que não o deixam governar-se sem a ajuda de alguem. Também os pés de Jacinto começam a retorcesse e a impedi-lo de andar, o que o leva a ficar refém de uma cama, de onde sai só por muito breves momentos para ficar sentado à porta da sua casa a ver quem passa pela rua. Todos lhe vão dando vaia. Então ti Jacinto como é que isso vai. Ele lá respondia já com pouca vontade de pronunciar as mesmas palavras: Para estar neste sofrimento mais valia não ter nascido, o que é que um homem vem a este mundo fazer para depois de tanto trabalho, os últimos dias de vida serem de tanto sofrimento e dor. Jacinto esteve neste sofrimento durante dez anos e depois deu-lhe um AVC que o deixou completamente sem movimentos.
Este homem só, mas sempre rodeado de amigos ainda viveu mais cinco anos agarrado a uma cama de onde não podia sair, e onde se transformou num corpo esquelético e com feridas por toda a parte.
Quando alguem o ia ajudar dando-lhe banho e alguma comida as unicas palavras que ainda conseguia dizer a grande custo eram: Porque é que ninguém põe fim a este sofrimento.
E finalmente numa noite de verão tórrido na aldeia da Amareleja o ti Jacinto consegue livrar-se do seu terrível sofrimento, deixando as suas últimas palavras. NÃO VALEU A PENA 

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